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Acordo de sócios: evite entrar numa rua sem saída

  • Foto do escritor: Elísio de Souza
    Elísio de Souza
  • 18 de fev. de 2022
  • 7 min de leitura

Por James P. Bartolomé[1] (jamesb@elisio.adv.br)

Duas histórias reais de guerra Societária


Primeira história - A empresa “R” era uma companhia de capital fechado, fabricante de estruturas metálicas, com receita anual de, aproximadamente, R$358 milhões, com R$138 milhões em caixa e patrimônio líquido de R$83 milhões. Quatro acionistas, congregados em dois grupos, detinham a totalidade das ações da empresa.


Num determinado momento, os acionistas de “R” não conseguiram chegar a acordo sobre a eleição de dois diretores, tradicionalmente indicados por um dos grupos. O impasse agravou-se ao ponto da assembleia não mais se reunir, simplesmente, porque os acionistas não conseguiam acordar a nomeação do presidente e o secretário da mesa.


O impasse virou litígio com o ajuizamento, ao longo de vários anos, de oito ações de um grupo de acionistas contra o outro; a derradeira visava a venda da empresa por meio de leilão. Durante esse período, a companhia foi administrada pelos outros dois diretores (vinculados a um dos grupos), pagando, somente, o dividendo mínimo obrigatório, e sem poder efetuar nenhum investimento (a razão do elevado caixa).


Segunda história – O empresário G e seu filho eram os sócios de uma incorporadora focada em empreendimentos para as classes B e C. Com o lançamento do programa “Minha Casa, Minha Vida”, esse segmento do mercado experimentou grande expansão, atraindo o interesse de um fundo de investimentos (venture capital) norte-americano (“VC”). Os seus gestores não tinham experiência no mercado brasileiro e nem em incorporação imobiliária para consumidores de baixa renda.


As partes acordaram primeira rodada de investimento para financiar a construção de dois condomínios de grande porte. Problemas de fluxo de caixa levaram à efetivação de rodadas adicionais, e G tornou-se acionista minoritário da empresa que ele mesmo fundou, sem ter celebrado nenhum acordo de acionistas que pudesse preservar o seu poder de voto em relação a VC.


Os problemas financeiros continuaram gerando queixas de ambas as partes. G culpava VC por atraso nos desembolsos de capital; VC culpava G e seu filho pela gestão incompetente do empreendimento.


A contenda chegou ao auge quando VC, agindo como acionista majoritário, deliberou a destituição de G e seu filho como diretores da empresa e nomeou uma nova diretoria.


G e seu filho ingressaram em juízo requerendo a anulação da deliberação por irregularidades na convocação da assembleia, e obtiveram liminar mantendo-os como diretores da empresa. Enquanto a ação continuou, com lentidão usual, a empresa permaneceu inativa, sem caixa, com unidades vazias, prontas para venda, e um vultoso empréstimo bancário próximo de seu vencimento.


As duas histórias têm cenários de fundo opostos: “R” uma empresa bem-sucedida, enquanto que no caso da incorporadora, um empreendimento malogrado; ambas, porém, compartilham uma malformação congênita: a carência de acordo de sócios a permitir a resolução mais rápida de litígios e impasses entre os mesmos.


Acordos de sócios: estabelecendo regras para o exercício do poder de Controle


O veículo para a associação de duas ou mais empresas com vistas a viabilizar um determinado empreendimento (“joint venture”) é, geralmente, uma sociedade limitada ou anônima de capital fechado. As empresas veículos de joint venture (sociedade conjunta ou “joint venture company – JVC”) são caracterizadas por terem (I) número reduzido de sócios (muitas vezes dois, apenas); (II) participação direta das empresas sócias na gestão; (III) suas quotas ou ações têm pouca ou nenhuma liquidez; e (IV) restrições ou vedação de ingresso de novos sócios.


As duas primeiras características implicam em que as empresas sócias da JVC exercem o poder de controle e gestão num contexto “frente a frente”: se, por um lado, as empresas associadas somam suas competências e capacidade financeira, por outro, elas têm que lidar com suas culturas inevitavelmente diferentes (i.e., valores, estilos de gestão e comunicação distintos).

Os pontos (III) e (IV) sinalizam dificuldades para a retirada da sociedade caso o projeto não dê certo.


O acordo de sócios (ou acionistas, especificamente, no caso de uma S.A.) é uma ferramenta largamente utilizada para mitigar os riscos inerentes a uma joint venture, especialmente, estabelecendo regras e procedimentos para a solução de impasses entre os sócios. O princípio por trás de todo acordo de sócios é que esses decidem, antecipadamente, como irão exercer o seu direito de voto em determinadas situações, tais como a eleição dos administradores, realização de aportes de capital etc.


Como será abordado, a seguir, além de vincular os sócios relativamente ao exercício do direito de voto. Os acordos de sócios, geralmente, incluem cláusulas sobre a compra das quotas/ações entre eles, restrições à cessão de quotas/ações da JVC a terceiros e a resolução de situações de impasse.


Quais são as principais funções de um acordo de Sócios?


  • Estipular os aportes de cada sócio à JVC: as joint ventures frequentemente costumam ser formadas para combinar os diferentes recursos e competências dos sócios, tais como tecnologia do produto/serviço x conhecimento do mercado local; tecnologia do produto/serviço x financiamento; engenharia civil x fornecimento de equipamento.

Por tal motivo, é essencial estabelecer os aportes específicos de cada sócio à JVC, explicitando as condições e cronograma.


  • Acordar as políticas e diretrizes do empreendimento: além de explicitar suas contribuições individuais ao empreendimento, os sócios precisam estabelecer diretrizes para orientar a gestão da JVC e o desenvolvimento do negócio seu objeto.

O acordo de sócios é o instrumento apropriado para acordar, desde o início do empreendimento, as diretrizes básicas da joint venture, como: (I) o negócio seu objeto, ou seja, os produtos, serviços e territórios visados ou excluídos; (II) os relatórios gerenciais e financeiros essenciais a serem fornecidos pela administração da JVC aos sócios; (III) regras de maximização de lucro[1]; (IV) obrigação (ou não) de não concorrência e exclusividade (e eventuais exceções); (V) direito de acesso dos sócios às instalações e documentos da JVC; (VI) titularidade de propriedade intelectual pela JVC; (VII) contabilidade e auditoria.

  • Eleição dos administradores da JVC: outro ponto crítico é estabelecer as diretrizes para a nomeação, destituição e substituição dos administradores da JVC. A experiência recomenda que cada sócio tenha o direito de nomear e substituir, pelo menos, um administrador.

  • Resolução de impasses: a primeira história (narrada no início do artigo) é um exemplo perfeito das consequências desastrosas de impasse entre sócios: as partes se engalfinham num contencioso caro e demorado, com poucas chances de desfecho rápido, enquanto a empresa definha e as oportunidades de negócios são perdidas.


Conquanto o risco de impasse é evidente numa associação de dois sócios, cada um com a metade do capital, ele também existe em situações menos óbvias. Por exemplo, se a JVC é constituída como uma sociedade limitada são necessários votos correspondentes a, pelo menos, três quartos do capital social para alterar o seu contrato social, e a dois terços do capital para eleger um administrador.


O mecanismo mais comum, previsto em acordo de sócios, para a superação de impasse, é a opção compulsória de compra da participação de capital de um deles. A opção compulsória segue modelo de alocações livres de inveja, similar ao arranjo da divisão de bolo (em que um corta e outro escolhe a fatia): uma parte estipula o preço da participação de capital e outra escolhe se vende ou se compra parte daquela, sempre por esse mesmo preço. Assim, um dos sócios é comprado, preservando a JVC, mas assegurando ao retirante um preço com base no valor de mercado de seu investimento caso tivesse liquidez.


  • Restrições à cessão de quotas/ações: as restrições à transferência de participação de capital são inerentes a uma joint venture. Conforme comentado, as pessoas – quer físicas ou empresas – se associam em função de determinadas competências e afinidades, pelo que é natural que a transferência, a um terceiro, da participação de capital numa JVC seja restringida ou, até mesmo, vedada.


As restrições são, geralmente, instituídas sob a forma de opções de compra e venda. A opção cruzada (“cross option”) exige que o sócio que deseja vender a sua participação a ofereça ao outro sócio(s) antes de poder cedê-la a um terceiro.

Além da opção cruzada, o acordo de sócios pode prever opções de compra (“call”) e venda (“put”) para determinadas situações. Nas joint ventures com participação de capital desigual podem ser previstas as opções de direito de venda conjunta (“tag along”) e obrigação de venda conjunta (“drag along”). O tag along[2] protege o minoritário do ingresso de um novo controlador. O drag along[3], por outro lado, visa facilitar a venda do controle da JVC a um terceiro.


Quando é recomendável um acordo de Sócios?


Em verdade, o acordo de sócios numa joint venture é sempre recomendável, mas torna-se crítico em determinadas situações, tais como:

  • em joint ventures de dois sócios com participações de capital iguais ou próximas a cinquenta por cento;

  • quando o veículo da joint venture é uma sociedade limitada;

  • se a JVC tiver um número ímpar de administradores;

  • quando o contrato social/estatuto outorgar a um sócio(s) direito de veto ou contemplar muitas hipóteses de quórum qualificado (i.e., superior à maioria simples) para deliberações.


Sobre os perigos de ingressar numa joint venture sem celebrar um acordo de sócios, além das histórias de guerra societárias mencionadas neste artigo, ecoam as sábias palavras de Lord Clarke[i]:


"As diversas decisões das instâncias inferiores e a argumentação apresentada neste tribunal demonstram os riscos de começar um trabalho sem acordar as bases exatas sobre as quais será desenvolvido. A moral da história é combinar primeiro e iniciar o trabalho depois".

Rio de Janeiro, 14 de fevereiro de 2022.


Dúvidas, esclarecimentos ou, simplesmente, mais informações?

Contatar: jamesb@elisio.adv.br


IMPORTANTE: o presente artigo tem propósito exclusivamente informativo e não constitui parecer jurídico. Nenhuma decisão deve ser tomada sem ter base nas informações aqui fornecidas, tampouco sem orientação de advogado


É permitida a cópia, distribuição e comunicação ao público desta obra sob as condições a seguir:


Atribuição. Deve se dar crédito, como autor, a James P. Bartolomé.

Uso Não Comercial. É vedado o uso desta obra para quaisquer fins lucrativos.

Vedada a criação de obras derivadas. É vedada qualquer alteração ou transformação desta obra.


Os termos da presente licença devem ser comunicados em todo e qualquer uso desta obra.

[1] Ex.: “A JVC distribuirá a porção do caixa que exceder a 25% do ativo total da JVC por mais de três trimestres consecutivos.” [2] Se a sócio(s) majoritário vende a sua participação, o minoritário(s) tem o direito de também vender a sua participação ao comprador, em termos iguais ou equivalentes. [3] O sócio majoritário que vende a sua participação tem o direito de obrigar o minoritário(s) a também vender a sua, ao comprador, em termos iguais ou equivalentes.

[i] Ministro da Suprema Corte da Escócia, no caso RTS Flexible Systems Ltd v Molkerei Alois Muller GmbH & Co. KG



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