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  • Foto do escritorElísio de Souza

Limitação ao direito de propriedade e abuso de direito – ilegalidade e inconstitucionalidade

Por Alexandre Marques


O proprietário, como diz o art. 1.228 do Código Civil, tem direito a usar, fruir e dispor da coisa. Porém, além das restrições impostas legalmente (ex: direito de construir), parte da doutrina e da jurisprudência vem reconhecendo que é possível impor outras restrições aos atributos da propriedade, especialmente em questões que tenham relação à segurança do bem ou de terceiros, ou em virtude das suas finalidades econômicas e sociais.


Nos casos de condomínios, a convenção é o instrumento que regula a relação com os condôminos (Lei 4591/64). Ela impõe regras e limites. Portanto, qualquer que seja o tipo de limitação, essa deve estar positivada naquele documento. Isso não quer dizer, contudo, que a convenção, por ser lei entre as partes, possa conter disposições contra legem ou por demais restritivas. Não é isso.


Especialmente com relação aos condomínios edilícios (horizontais ou verticais), há uma evidente discrepância de entendimentos (doutrina e jurisprudência) em alguns aspectos, que vêm desde as primeiras discussões acerca da possibilidade (ou impossibilidade) de limitação do uso de área comum pelo proprietário inadimplente, passando pela impossibilidade (ou possibilidade) de o proprietário utilizar o imóvel para serviços de locação por período (tipo airbnb) até chegar à imposição de obrigação ao proprietário antissocial de não mais frequentar o condomínio com a venda da sua propriedade para terceiro.


Os entendimentos, de um lado ou de outro, têm razão de ser...


Para aqueles mais garantistas, o direito de propriedade, de índole constitucional, não comportaria limitação além daquelas já contidas na legislação e, por consequência, a cláusula contida na convenção que assim dispusesse seria nula.


Em outras palavras, aproveitando os exemplos citados, não seria possível vedar ao proprietário o direito de alugar (leia-se, dispor) o seu imóvel a terceiro por período certo e determinado, já que o Código Civil assim não o faz, ou mesmo obrigá-lo a suportar penalidades severas por não atendimento de normas internas, como a proibição de frequentar o próprio condomínio e a obrigação de, por isso, vender o seu imóvel.


Para outros, o entendimento é de que a convenção de um condomínio pode avançar para prever mais limitações, desde que tenha caráter sempre objetivo e fundamento, por exemplo, na proteção e segurança dos condôminos.


Desse último caso, surgem as seguintes indagações: pode, então, uma convenção de condomínio (casas ou apartamentos) dispor sobre quem poderá comprar a unidade? Ou seja, pode haver vedação para, por exemplo, impedir a aquisição de imóvel por um reconhecido traficante ou bandido? Se possível, essa cláusula se manteria hígida após discussão judicial?


Pessoalmente, entendo que uma vedação desse tipo é nula porque, além de não possuir previsão legal, limita o direito constitucional de propriedade.


Em primeiro lugar, há dificuldade formal. Inserir uma cláusula desse tipo numa convenção de condomínio implica em aprovação, em assembleia, pelo quórum previamente estipulado (na própria convenção ou estatuto). Se, por um lado, essa alteração possa vir a ser de interesse de condôminos que não pretendam vender o seu imóvel, por outro pode representar um empecilho àqueles que querem (ou precisam) alienar seu imóvel por questões pessoais ou mesmo financeiras.


Depois, faz-se necessário definir qual conteúdo da cláusula, isto é, o que ela exigirá do vendedor ou do comprador que pretende adquirir um imóvel localizado dentro do condomínio. A depender do que ficar estabelecido, a exigência poderá ser tida por nula (assim como a cláusula), especialmente porque o condomínio não pode exigir de terceiros documentos que a lei não exige.


Ultrapassadas essas dificuldades, outra questão avulta: me parece válido incluir na convenção de condomínio que não é permitido, por exemplo, dar o imóvel em locação por prazo inferior a 90 dias (temporada), de modo a evitar as locações por aplicativo (airbnb). Afinal, o condomínio é residencial, não comportando, por isso, atividade comercial... Porém, em sentido oposto, não é razoável impor ao vendedor do imóvel, porque assim determina a convenção de um condomínio, a obrigação de verificar, v.g., antecedentes de pretenso comprador; tampouco é cabível a imposição de ônus ao comprador de ter de se submeter a uma devassa na sua vida privada e ser aceito por um ente totalmente despersonalizado (condomínio) que não tem nada a ver com o negócio jurídico de compra e venda. Mais parece, com isso, haver uma verdadeira invasão do condomínio na propriedade alheia, já que um negócio jurídico somente pode ser realizado com sua anuência.


A medida, por esses motivos, parece, para mim, ilegal e inconstitucional. Há traços, inclusive, de conduta segregacionista, violadora do princípio à dignidade da pessoa humana, e de abuso de direito, já que o condomínio não pode ser um obstáculo à livre disposição da propriedade.


A convenção de condomínio não deve ser interpretada e aplicada de forma isolada; ela, necessariamente, deve guardar harmonia com a Constituição Federal e com a legislação infraconstitucional.


Não à toa, para as hipóteses de excessos de condôminos, a lei prevê sanções para os casos de infrações, que podem ser aplicadas administrativa ou judicialmente. Admitir que um pretenso morador do condomínio, seja pela sua condição pessoal ou social, poderá (presume-se) infringir uma regra traçada pela convenção é motivo insuficiente para se impor medidas preventivas, que, ao fim e ao cabo, podem ser entendidas como constrangedoras e discriminatórias.


Não é a mesma coisa, por outro lado, de um clube recreativo, que pode impor condições para a admissão de associados, desde que essas limitações não extrapolem os postulados constitucionais.


Enquanto um condomínio é um ente despersonalizado e cada condômino é proprietário de sua unidade, o clube tem natureza jurídica de associação civil e possui personalidade jurídica. Não há direito de propriedade em disputa, apenas uma reunião de associados que contribuem mensalmente para usufruir de áreas e equipamentos comuns. Clube e associado mantêm um negócio jurídico bilateral, razão porque o ingresso de novos membros pode ser condicionado à aceitação dos demais associados.


Portanto, tenho que uma eventual proposta de inserção de cláusula em convenção de condomínio que condicione a compra e venda à prévia análise da pessoa que se propõe a adquirir uma propriedade que ali se encontra é ilegal e inconstitucional por representar abuso de direito e ser limitadora do direito de propriedade.

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